Conheça mais detalhes dos da Abertura dos portos do Brasil e o Tratado de 1810, que privilegiava a Inglaterra em suas relações comerciais com Portugal e sua colônia, o Brasil.
Da Abertura dos Portos ao Tratado de 1810
Em apenas dois anos, de 1808 a 1810, o Príncipe Regente da Coroa
dos Bragança foi constrangido pelos britânicos e alguns brasileiros a desmontar
o Pacto Colonial. Acerto que desde 1500 amarrava o Brasil a Portugal. Com
apenas um par de autógrafos a velha política mercantilista mantida por
Lisboa,vigente desde os tempos de D.Manuel o Venturoso, foi-se abaixo, abrindo
caminho para a gradativa emancipação econômica da maior colônia lusitana nos
trópicos.
Os artefatos feitos em Manchester ou
Liverpool até então represados pelo Bloqueio de Napoleão, afluíram em massa
para os portos do Brasil. Os armazéns e depósitos espalhados pelos cais de
Salvador e do Rio de Janeiro ficaram repletos de bens de consumo como das
coisas mais estranhas possíveis (vieram até patins para gelo e sobretudos de lã).
O excesso disso tornou letra morta o
alvará real de 1º de abril de 1808 que legalizava a implantação de fábricas no
Brasil. Qualquer coisa que saísse de uma oficina brasileira seria esmagada pela
presença ostensiva do seu equivalente inglês.(*) Um pouco antes, D.João – um
tanto como se fora um marquês do Pombal redivivo - não se furtara em animar os
inventos e as artes mecânicas, estimulando-as por um outro alvará, datado de 28
de abril de 1809, que isentava certas matérias primas necessárias à composição
de manufaturas, como por igual abstinha-se de exigir impostos por aquilo que
por elas era exportado, além de outorgas de privilégios exclusivos aos
inventores de novas máquinas.
Chegou até a autorizar uma loteria
especial para angariar amparo às fabricas que precisassem de auxilio extra.
Tudo aquilo enfim que desse ânimo ao espírito de um capitalista ou de um
empreendedor. E isso seria feito, segundo Silva Lisboa, o visconde do Cairu, o
maior mentor intelectual da política econômica do trono, sem prejudicar a
vocação básica da colônia que era a agricultura (centrada basicamente na
exportação do açúcar, tabaco, algodão e café).
O crescimento da lavoura deste
último, do café, ao longo do século XIX, veio acentuar ainda mais o desdém
pelas possibilidades da indústria local. Todavia, foi inegável o impacto
positivo da Abertura dos Portos e dos Tratados de 1810 na economia colonial,
não apenas por rebaixar o custo de vida, mas por dinamizar uma sociedade que se
via estagnada desde a acentuada queda do vigor extrativo das Minas Gerais e dos
efeitos negativos do Bloqueio Continental. A relação da chegada de barcos na
baia da Guanabara entre 1805 e 1810 claramente mostra a evidência disto:
Ano - nº de embarcações
1805 - 810
1806 - 642
1807 - 777
1808 - 765
1810 - 1.214
1805 - 810
1806 - 642
1807 - 777
1808 - 765
1810 - 1.214
Fonte: Oliveira Lima – D.João VI no Brasil. Cap. IX:
Relações comerciais do Brasil. Os tratados de 1810
(*) Para os historiadores nacionalistas a Abertura dos Portos e o
Tratado de 1810 impediram a formação de um embrião fabril no Brasil, visto que
era impossível competir com o produto inglês, melhor e mais barato. Somente uma
política protecionista poderia ambicionar sucesso. Todavia, outros apontam que
a existência do eito era um empecilho maior visto que os escravos não faziam
parte do consumo, não compondo renda interna suficiente para a absorção do
produzido.Era uma ironia constatar que o maior mercado escravista do mundo
ocidental estava longe formar um mercado consumidor razoável.
É importante por igual considerar a pouca disposição dos portugueses e
dos reinóis que aqui estavam estabelecidos para os trabalhos técnicos e
mecânicos. Habilidade em que os ingleses então eram imbatíveis (ver Nícia
Vilela Luz - "A Luta pela Industrialização no Brasil" . Editora
Alfa-Omega, 1975).
Da Liberdade Econômica
Com o Brasil sucedeu pois um fato curioso. Enquanto a
maioria dos Movimentos de Independência da América Espanhola teve que antes
conquistar sua liberdade política para depois alcançar sua liberdade econômica,
no Brasil se deu ao revés.
A Abertura dos Portos e os Tratados de 1810 assinados por
D.João tornaram irreversíveis as conquistas econômicas, fazendo do Brasil o
"mercado mais livre do mundo", permitindo grande autonomia local,
deste modo, quando D.Pedro I declarou-se pela independência em 1822, o país de
fato já não estava mais atrelado a Portugal. Em nada mais dependia do antigo
reino.
Strangford em ação
Como representante da Sua Majestade Britânica junto à Corte
portuguesa no exílio, lorde Strangford agiu por dois anos como se fora um
buldogue mordendo a presa. Não havia maneira dele arrefecer no seu intento de
arrancar do Príncipe Regente, refugiado no Rio de Janeiro, um tratado que
cedesse privilégios de exclusividade ao comércio inglês.
Mal D.João desembarcara na baia da Guanabara e o assedio
começou. Depois de descansar em Salvador na Bahia por um mês, eis que sua
alteza vindo de uma exaustiva viagem, adentrou na sede do vice-reino do Brasil
no dia 7 de março de 1808.
A bordo da nau "Príncipe Real" espremiam-se mais
de mil pessoas (104 passageiros e 950 tripulantes) que, em seguida ao
desembarque, trataram de se acomodar nas residências previamente selecionadas
para acolhe-los.
Recebeu-os o jovem vice-rei, o conde dos Arcos que
transladou o príncipe até a rampa do Paço numa galeota de vinte remos, pintada
de ouro e de vermelho, protegendo-o do sol forte com um dossel púrpura. Em
terra um meio-mundo de fidalgos, magistrados, militares e padres, se perfilava
a espera do soberano alinhados e protegidos por um mar de baionetas.
Deu-se então a época do P.R., do "ponha-se na rua"
como os cariocas denominaram a perda das suas residências para os fidalgos do
além-mar. Foi quase um dilúvio humano que se abateu sobre eles, pois a comitiva
era imensa, entre 10 a 15 mil pessoas que arribavam numa
cidade que na ocasião mal tinha 60 mil habitantes (a metade deles escrava).(*)
O primeiro ato econômico significativo do príncipe
recém-chegado ao Brasil ocorrera semanas antes na Bahia, quando atendendo a
demanda direta dos comerciantes locais, levados a presença dele pelo conde da
Ponte, e cumprindo com os favores devidos aos britânicos, abrira os portos no
dia 28 de janeiro de 1808 às "nações amigas" (basicamente à
Grã-Bretanha). Era o tiro de misericórdia disparado pelo próprio Magistrado
Maior de Portugal contra uma prática comercial que rendia ao mercador
metropolitano lucros ao redor de 150% (Lisboa ficava com 250
libras e cada 100 enviadas para o exterior).
(*) Verificações feitas posteriormente indicaram que o número dos recém
chegados era infinitamente menor, calculando-os ao redor de 600 ou 650 fidalgos
e funcionários.
Tirar o comércio colonial do aperto
O comércio colonial estava estrangulado. A queda de Lisboa
nas mãos de Junot foi o ápice das dificuldades que haviam começado um ano antes
com o Bloqueio Continental assinado por Napoleão em Berlim em 21 de novembro de
1806. A clausura era total. Barcos vindos do Brasil não
podiam ancorar em nenhum porto europeu, senão que os controlados pelos ingleses
. Até o sempre intenso tráfico de escravos com a África viu-se afetado. A
salvação dos mercadores da colônia estava pois nas mãos do Príncipe Regente. E
ele não os frustrou.
O passo seguinte dado por D.João na sua crescente adesão à
política liberal, isso já no Rio de Janeiro, foi a revogação no dia 1º de abril
de 1808 do alvará de 5 de janeiro de 1785, assinado por sua mãe, D.Maria I, que
proibia a existência de manufaturas no Brasil.(*)
(*) Diga-se que o objetivo de tal medida antimanufatureira não se devia
a nenhum preconceito contra a atividade fabril em si, mas sim correspondia a
lógica da exploração colonialista. O alvará quanto a isso foi muito claro,
determinando que os poucos braços que a colônia dispunha deviam ser
concentrados na lavoura, no garimpo e na lavras, e não nas atividades industriais.
"Porque – como explicitava o alvará -" havendo uma grande, e
conhecida, falta de população, é evidente que, quanto mais se multiplicar o
número dos fabricantes, mais diminuirá o dos cultivadores; e menos braços
haverá que se possam empregar no descobrimento, e rompimento de uma grande
parte daqueles extensos domínios que ainda se acha inculta, e
desconhecida." Talvez, como reação a isso, era projeto dos Inconfidentes
de 1789, promoverem a indústria no Brasil a ser libertado por eles.
Os Tratados de 1810
Denominado oficialmente de “Treaty of Cooperation and
Friendship”, Tratado de Cooperação e Amizade, de 1810 , assinado pelo conde de
Linhares e pelo lorde Strangford, eram compostos por dois acertos: um de
aliança e amizade (com 11 artigos e 2 decretos) e o outro de comércio e
navegação (com 34 artigos). Passaram como exemplo clássico de uma imposição
leonina, e de certo modo como o ápice de uma relação de dependência que
Portugal mantinha com a Inglaterra desde que pela Revolta do Porto se emancipara
da Espanha em 1640. Fato que se acentuara ainda mais com o Tratado de Methuen,
de 1703, o famoso acordo da troca de panos (ingleses) por vinhos (portugueses).
Simultaneamente a isso, o Tratado de 1810 marcou uma
retumbante vitória das forças do Liberalismo econômico sobre o Mercantilismo
declinante ao tempo em que assinalava a magnitude do poder da Coroa Britânica,
senhora de boa parte do mundo, frente a um trono português, fragilíssimo, que
praticamente passou a viver de favores.
Um dos exemplos mais gritantes da mercê ofertada era o fato
de que as mercadorias vindas de Londres ou de qualquer outro porto britânico
somente serem taxadas em 15%, enquanto as que eram embarcadas de locais
portugueses tinham que pagar 16% de imposto alfandegário e os outros países ao
redor de 24%.
Na prática, a Grã-Bretanha, apesar das suas declarações
altissonantes pró livre-cambismo, exerceu por um bom tempo um autentico
monopólio comercial sobre o Império Português.
Além disso, no terreno das relações humanas, enquanto os
súditos britânicos tinham direito à extraterritorialidade, sendo julgados no
Brasil e nas demais possessões portuguesas pelo Tribunal do Almirantado,
composto por magistrados ingleses, o mesmo não se aplicava aos portugueses que
se encontravam em terras inglesas. Estes, se envolvidos em litígios, deviam
confiar na "magnanimidade da justiça britânica."
Bibliografia
Lima,
Oliveira – D.João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.
Luz,
Nícia Vilela - "A Luta pela Industrialização no Brasil . São Paulo",
São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975.
Simonsen
– História Econômica do Brasil.São Paulo: Editora Nacional
Vicente,
Antônio Pedro – Política exterior de D.João VI no Brasil, in Estudos Avançados
vol.7 no.19 São Paulo Dec. 1993
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